Em 2015, durante uma aula de Teoria Geral do Estado, a professora encarava a difícil missão de diferenciar Estado, governo, país e nação. Para que pudéssemos entender o conceito de nação, a professora recém-chegada do Sul disse “o maior exemplo que eu posso dar a vocês pra entenderem, é a nação rubro-negra. Os torcedores do Flamengo são unidos por um sentimento de pertencimento a algo em comum, independente de territorialidade.”

Era surreal ouvir aquilo, ainda mais porque não vinha de uma flamenguista fanática. Rosângela provavelmente torcia pra um dos grandes do estado dela, mas ainda assim se impressionava com o que é o Flamengo. Existem mais de 40 milhões de pessoas que se identificam por serem Flamengo, não importa de onde venham.

Alguns tentam tirar isso de nós, chamando os que não são do Rio de Janeiro de “mistos”, destilando seu preconceito e autoritarismo. Qualquer flamenguista de bom senso, seja carioca ou não, rechaça esse infeliz adjetivo porque sabemos o quanto precisamos de cada um de nós para fazer do Flamengo gigante como é. Mas infelizmente alguns de nós não fazem a menor ideia do que as cores vermelho e preto significam.

É o caso de Ângela Machado, diretora de responsabilidade social do clube e esposa do atual presidente, Rodolfo Landim. Confesso que na primeira vez que vi a notícia pensei “Uma ricaça destilando xenofobia. Isso não é o Flamengo”, mas após ver a fala de seu marido e presidente do clube, que não a censurou, senti vergonha.

A essa altura todos já sabem que, para aquela senhora, boa parte da torcida do Flamengo é composta por pulgas, seres parasitários que vivem se alimentando do sangue de outros. Seres que também são sujos e responsáveis por uma das maiores pandemias da história que devastou a Europa.

Pessoas que trabalham, estudam, muitas vezes trabalham e estudam, e, certamente, dão parte do fruto do seu suor a este clube por meio da compra de produtos licenciados, Pay-per-view e compra massiva de ingressos quando o clube joga na região nordeste. E mesmo aqueles mais pobres, que não podem dar um real que seja ao clube, ao responderem à pesquisas dizendo que são Flamengo, nos trazem os maiores contratos de TV e patrocínio do país.

Santos, Rodinei, David Luiz, Léo Pereira, Filipe Luiz, João Gomes, Thiago Maia, Everton Ribeiro, Arrascaeta, Gabigol e Pedro. Esses jogadores históricos têm seus salários pagos por cada um de nós e pelo menos um terço de nós é nordestino. E certamente temos que nos orgulhar disso.

Já, Ângela Machado… Bom, essa ninguém conhecia até ontem, mas ela também recebe salário pago pelas “pulgas” uma vez que seu cargo é remunerado e não estatutário. Todo quinto dia útil ela recebe sua remuneração e “desabafa” – nas palavras de seu marido – ofendendo àqueles que a pagam. E mais, dando aos rivais de olho no nosso maior patrimônio uma oportunidade perfeita para apontar o dedo contra nós.

E tudo piora com a resposta do presidente do clube sendo leniente com a declaração e usando como argumento o quanto os funcionários gostam dela. Será que passou pela cabeça do mandatário rubro-negro como fica o torcedor chamado de “misto” dia após dia, mas que continua saindo de casa com as nossas cores, ao ouvir isso? Ao ouvir que alguém importante dentro do clube os vê como parasitas sujos?
Dias depois do ocorrido, graças à repercussão, Ângela se desculpou.

E sendo sincero, foi um pedido de desculpas robusto, chamando aquela declaração do que ela realmente é: xenófoba. Além de pedir desculpas a todos os nordestinos. Não foi aquela desculpa parcial para “quem tiver se ofendido”. Sinceridade ou media training e gestão de crise? Difícil saber. Embora seja difícil acreditar que dona Ângela compartilhou um post de duas frases, sem saber o que estava escrito, mas sabendo que se tratava de política.

Desculpas sinceras ou não, o episódio coroa uma postura da diretoria que durante quatro anos pareceu estar se aproximando do atual presidente do Brasil para atender os melhores interesses do clube e não por alinhamento ideológico. A ver ser no próximo mandato presidencial, Landim vai ter a mesma solicitude para com o presidente.

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