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Isaias Tinoco projeta livro e conta como lida com o tratamento de Parkinson


O hobby de caminhar pelas ruas da Tijuca (zona norte do Rio de Janeiro) se tornou um aliado para a saúde. Nestas oportunidades, não é difícil ver Isaias Tinoco combinando peças de roupas dos rivais Flamengo e

Vasco

. ‘Pertenço aos dois clubes’, diz ele, que soma 40 anos de carreira, entre as passagens pela Gávea e por São Januário.

Aos 68 anos, o dirigente, que teve trajetórias mais breves no Guarani e

Cruzeiro

, quer escrever um livro para acrescentar à literatura do

futebol

brasileiro, vê com certo temor a “invasão” de técnicos estrangeiros e avisa que não se aposentou.

Ao longo da vida profissional, Isaias Tinoco lidou com dirigentes históricos, atravessou momentos de crise e obteve importantes conquistas. Uma parcela do sucesso, segundo ele, deve à dona Nadir [sua mãe], de quem herdou a capacidade de ser um “gestor de sentimentos”.

O último trabalho foi no Vasco, de onde saiu no início de 2018, após mudança na gestão. Alguns meses depois, recebeu o diagnóstico de Mal de Parkinson, que indicar vir tratando sem maiores obstáculos.

“Se houver uma coisa bem colocada, volto [ao futebol], claro! Aqui [cabeça] está funcionando a mil por hora. Penso em deixar essa experiência toda que vivi, não posso admitir não compartilhar os ensinamentos que tive ao longo desses anos. Estou escrevendo um livro. Vai levar um tempo, mas vai chegar lá”, conta.

“Não quero que seja aquele modular de gracinhas e histórias do futebol. Quero um livro que passe algo didático, experiência profissional, para que quem pegar tenha algum benefício, assim como eu tive convivendo com verdadeiras enciclopédias humanas, com quem pude aprender muito”, completou.

Uma das motivações para o projeto é o momento que o futebol brasileiro atravessa, com a chegada de diversos técnicos estrangeiros, principalmente após o enorme sucesso que Jorge Jesus teve no Flamengo, em 2019.

Isaias Tinoco nos tempos de base do Flamengo - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal

Imagem: Arquivo Pessoal

“Sou totalmente aberto à troca de informações, ao compartilhamento de experiência e ensinamentos. O que sou contra é jogar no lixo tudo que você já construiu trazendo uma atividade europeia encarnada aqui na América do Sul, onde a vivência é muito longe. Meu medo é que a gente pare de fabricar os nossos atletas, que ganhavam na parte técnica na partenogênese, ninguém te ensinava. Tinha um campinho do lado de casa ou no bairro e as crianças praticavam o futebol diariamente, ganhavam a técnica do drible, do passe, do chute”, aponta.

“Estamos eliminando a álgebra inicial e forçando a barra para se fazer uma equação do segundo grau sem que tenha esses mecanismos bem apurados. Isso é o que eu temo de uma forma geral. Não sou contra a vinda de treinadores, assim como não sou contra a ida de treinadores. Sou contra é criar um clichê, empacotar um trabalho técnico e mandar aquilo como se fosse fundamental.”

A trajetória profissional de Tinoco iniciou em 1974, quando, estudante de Educação Física na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), conseguiu estágio no Flamengo. À época, dona Nadir costurava para a esposa de um diretor do clube e comentou sobre o filho, que recebeu um convite para um período no departamento infanto-juvenil. Teve passagens também pelos Esportes Olímpicos do Rubro-Negro e, anos depois, foi procurado para coordenar a base do Vasco.

Entre idas e vindas, pegou gerações de ouro nos dois clubes e trabalhou com nomes que marcaram época tanto dentro quanto fora dos campos.

“Vasco e Flamengo são muito importantes na minha vida. Tive a sorte de ter feito a grande faculdade nos Esportes Olímpicos do Flamengo. Pude vivenciar e aprender tendo essa grande oportunidade de trabalhar com os sábios da época. Fui me equilibrando até que consegui andar por conta própria. Tive professores como Márcio Braga, George Helal, Kleber Leite, Luís Augusto Veloso, Eurico Miranda, Antônio Soares Calçada, Alfeu Pena, Paulo Reis… Eram pessoas de um peso, um vulto, uma capacidade de gestão de futebol e torcidas”, lembra.

Certa vez, em uma publicação em seu site, Kleber Leite, ex-presidente do Flamengo, disse que “naquilo que nós chamamos de ‘coração do futebol’, ou seja, campo e vestiário, Isaias é simplesmente perfeito”.

Isaias Tinoco entre 1995 e 1996, enquanto dirigente do Vasco - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal

Imagem: Arquivo Pessoal

“Dentre outras coisas, aprendi que o vestiário é um lugar sagrado, um templo do jogador e da comissão técnica. Aquilo tem de ser muito bem guardado. Buscava fazer com que as pessoas participassem da administração daquele ambiente. Se você pedisse para conversar comigo e fosse algo pertinente ao time, a gente buscava uma forma de conversar com os líderes do elenco, comissão técnica e por aí vai. Por ser muito aberto e respeitador da capacidade de cada um, recebi esse respeito e carinho dos atletas. Quando eu falava, tinha ressonância”, ressalta.

Apesar de passear entre as duas instituições durante muitas temporadas, garante que nunca houve informações usadas em uma e levadas a outra.

“Tive muita sorte de estar no lugar certo, na hora certa para poder compartilhar a experiência deles todos. E com um detalhe: nunca levei um ensinamento de um clube para o outro. São modulações diferentes. Eu mantinha a linha do Flamengo para o Flamengo e a linha do Vasco para o Vasco”, ressalta.

Isaias Tinoco, José Luis Moreira, vice de futebol do Vasco, e Paulo Angioni, em coletiva em dezembro de 2014 - Marcelo Sadio / Vasco - Marcelo Sadio / Vasco

Isaias Tinoco, José Luis Moreira, vice de futebol do Vasco, e Paulo Angioni, em coletiva em dezembro de 2014

Imagem: Marcelo Sadio / Vasco

‘Fui salvo pela minha filha’

Entre 2018 e 2019, Isaias Tinoco imaginou estar com problemas na coluna, pois se sentia “travado”. A filha Vitória, que é formada em medicina, insistiu para que o pai realizasse uma consulta com um neurologista, e ele recebeu o diagnóstico que o surpreendeu.

“Eu estava fazendo um monte de coisa pensando em problema na coluna. Chegamos lá e, com meia hora, ele bateu o diagnóstico de Mal de Parkinson. Foi ela quem me levou, fui salvo por ela. Até nisso eu dou sorte. Enquanto o Mal de Parkinson gera nas pessoas depressão, perda de movimento, não tive nada disso. O Parkinson é você parar de produzir uma substância que se chama dopamina, que faz o músculo ficar rígido, então, tem de alongar bem. Eu todo dia faço isso, e com alegria. E isso não me impede de voltar a trabalhar, não. O meu Parkinson é o chamado ‘parkinsonismo’, porque não tenho tremor, tenho limitação de movimento. Mas faço academia, pilates, minhas caminhadas, e me sinto bem. Meto a cara, saio andando e faço o meu programa de caminhadas”

O Mal de Parkinson, porém, também teve um certo reflexo na fala de Isaias Tinoco, que é gago. Ao longo da carreira, porém, isso nunca foi barreira. Pelo contrário, ele acredita que tenha humanizado a figura de liderança:

“O Parkinson abusou um pouco mais da gagueira. Eu estava até com a fonoaudióloga, mas, atualmente, estou sem, e quanto menos eu falo, menos exercito a minha musculatura da fala. Mas isso [gagueira] nunca foi problema. Sempre me respeitaram muito, e eu deixava muito claro aonde estava querendo ir.”

A maior crise

Na Gávea, em 2010, ele passou pelo que considera a maior crise na carreira: o envolvimento do goleiro Bruno na morte de Eliza Samudio — o jogador foi condenado a mais de 20 anos pelo homicídio triplamente qualificado da modelo e pelo sequestro e cárcere privado do filho. O caso, à época, ganhou enorme repercussão nacional. Atualmente, o jogador está no Atlético Carioca, clube da quinta divisão do Carioca.

07/03/ 2013: O goleiro Bruno Fernandes aguarda início de seu julgamento, no Fórum de Contagem (MG) - Joel Silva/Folhapress - Joel Silva/Folhapress

Bruno no aguardo início de seu julgamento, no Fórum de Contagem (MG), em março de 2013

Imagem: Joel Silva/Folhapress

“Maior crise? Sem dúvida. Não houve tempo nem de lidar. Estávamos nos preparando para ir fazer a inter temporada em um CT em Itu, em São Paulo, e recebo a ordem que o Bruno não poderia mais embarcar, teria de resolver ‘algum problema pessoal’, foi o que contaram. Quando chegamos lá, começamos a ver porque ele tinha ficado. De lá para cá, não houve mais tempo de uma conversa, não teve mais isso. Passei aquele período todo pensando: ‘não é possível que o capitão do meu time tenha feito algo assim'”, lembra.

Respeito das torcidas

Durante os passos pelas ruas, Isaias recebe o carinho dos rivais rubro-negros e vascaínos quase que na mesma proporção.

“É impressionante. Faço a minha caminhada pela Tijuca e, às vezes, passa um cara com a camisa do Vasco: ‘pô, Isaias, volta para o Vasco’. Passa outro do Flamengo e pede o mesmo. Teve um dia que eu saí para andar e o tempo estava meio chuvoso. Quando estou no meio do caminho, um garoto falou: ‘por que o senhor está com uma calça do Flamengo e uma camisa do Vasco?’ ‘Eu pertenço aos dois’, respondi (risos)”.

Indícios no Cruzeiro

Isaias Tinoco teve breve passagem pelo Cruzeiro, em 2018, como diretor de futebol, cargo que estava vago desde a saída de Alexandre Mattos. À época, chamado pelo então técnico Vanderlei Luxemburgo, um dos amigos que fez no futebol.

“Um dia antes de sair, fui, com o chefe da segurança, às sedes das organizadas em Belo Horizonte. Nas conversas, mostramos que o Cruzeiro teria dificuldades à frente. Eu não tinha a noção exata dos números, mas podia-se perceber que o clube não teria condições financeiras de bancar. Chegaram a me falar que fui o primeiro a ir conversar com os torcedores. Acompanhei com muita tristeza tudo que aconteceu depois”, recorda.

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