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Intimidação ao YouTuber do Flamengo e o jornalismo que queremos ver


O texto abaixo é de autoria de Napoleão de Almeida, narrador da Bandnews FM, Bandsports, N Sports, grande amigo e profissional de imprensa. Ele me mandou após a discussão envolvendo o influenciador flamenguista Guilherme Pinheiro, o “Flazoeiro”, e o jornalista Thiago Lucca, da Rádio Trio de Ferro, de Curitiba. A gravação na tribuna de imprensa da Arena da Baixada, feita pelo YouTuber rubro-negro e que viralizou na Internet, mostra Lucca dizendo “aqui tem dono, é o Athletico” e “vou arrebentar teu celular se continuar fazendo palhaçada”.


Thiago Lucca foi suspenso por 120 dias

pela Associação de Cronistas Esportivos do Paraná. A intimidação que vimos no vídeo é, de fato, inaceitável e nada condizente com regras básicas de comportamento em uma tribuna de imprensa e em sociedade, de modo geral. Me incomoda um pouco a falta de apuração mais detalhada sobre o caso, o que estava acontecendo lá antes, como se o vídeo gravado contasse toda a história. Mas, repito, nada justifica agressão e intimidação.

Há dois lados nesta moeda. Manifestei-me no Twitter e mantenho aqui o incômodo com influenciadores e comunicadores, com pouquíssima noção de práticas jornalísticas, ocuparem postos nas tribunas e gramados. CBF e associações regionais de imprensa credenciam a turma, assim como credenciam pequenas rádios web por aí, sem muito questionamento. Muitos são apenas torcedores que se aproveitam da situação para ver jogos de graça. E atuam, nas tribunas, do mesmo jeito que atuariam se estivessem nas arquibancadas, com gritaria, xingamentos e nenhum respeito pelo colega ao lado.

Não estou falando que é o caso específico do Flazoeiro. Não conheço o rapaz, mas um grande amigo em comum, em quem confio, me falou muito bem dele. Este debate vai além de Fla, é mais sobre zoeiras e zoeiros.

Não nego que a maneira de se comunicar (de forma direta, de torcedor para torcedor) está mudando no Brasil e o alcance de tais comunicadores não pode ser ignorado. Há limites, no entanto, que nunca foram traçados e, temo, nunca sejam. É uma discussão mais ampla e que merece reflexão. Parte dela é abordada no texto abaixo por Napoleão, que replico como se tivesse escrito por mim, pois concordo em gênero, número e grau.


POR NAPOLEÃO DE ALMEIDA

O episódio da intimidação nas tribunas de imprensa da Arena da Baixada, envolvendo um repórter de uma rádio local e um influenciador ligado ao Flamengo, trouxe uma série de reflexões sobre o meio, mas deixou escapar outras. Por óbvio, mas reforçando para deixar bem claro, que nada justifica a truculência e a intimidação que o vídeo mostra. Mas também é importante que aproveitemos a brecha pra debatermos o jornalismo que queremos ver.

Não há defesa para as frases “aqui quem manda é o Athletico” e “vou arrebentar seu celular” ouvidas no trecho. Essa parte da história todos sabemos e resultou em outra prática comum: o linchamento do agressor nas redes sociais. Podemos seguir no olho por olho nesse tema, porém, também é preciso pensar o que levou a essa reação inaceitável e o quanto estamos dispostos a transigir em casos assim, motivados por um histórico recente e crescente de torcedores com grande influência e públicos gigantescos no YouTube, cujo comportamento é tão somente se fazer representar como torcedor em meio aos profissionais de imprensa.

Sim, todos temos um time do coração. O exercício do jornalismo – poderia dizer “clássico” aqui, mas a verdade é que jornalismo sempre terá a premissa a seguir – exige distanciamento para a leitura dos fatos. Torcer ok, distorcer, não. Não faltam exemplos de grandes jornalistas que se assumiram torcedores perante o público; no entanto, jamais colocaram sua independência em jogo ou abriram mão de um comportamento com o mínimo de decoro no exercício da profissão. Algo que faltou dos dois lados da vergonhosa discussão em Curitiba.

Aqui, um breve parênteses: Curitiba é uma cidade que ganhou antipatia em parte do Brasil desde o lavajatismo cego, com replicação de informações “vazadas” estrategicamente a alguns da imprensa que não se furtaram em se promover com isso, deixando o jornalismo um pouco de lado. Mas falo com propriedade de quem nasceu e viveu 30 anos lá: reduzir a cidade a alguns e seus péssimos exemplos é agir exatamente da forma com a qual se reprova. Há mais do que o recorte oportuno para alguns em uma capital com mais de 300 anos e 3 milhões de habitantes.

Se o repórter local não pode falar em nome do clube por várias razões – se lá quem manda é o Athletico, o clube afinal credenciou o influenciador a estar no espaço – e a intimidação não pode ser tolerada em hipótese alguma, também é verdade que a exaltação exagerada de qualquer tema ligado ao clube do influenciador foge, e muito, de qualquer decoro exigido pelo jornalismo. Não é preciso ir além de uma visita ao canal em questão para perceber: títulos como “Fla é roubado no Maracanã” servem pra inflamar a torcida, ganhar audiência e não trazem consigo nenhuma prova de “roubo”. Convenhamos, quem viu o jogo de ida e viu a agressão de

Gabigol

a Fernandinho ou a entrada de Arrascaeta em Erick não serem punidas com cartão vermelho, vai achar ridículo falar em “roubo” contra o Flamengo.

Mas, além disso: se há prova de roubo, que se publique. Em 2005, a Veja denunciou um esquema de arbitragem que mudou o Brasileirão e reposicionou André Rizek como um dos grandes nomes da imprensa esportiva do País. Por que? Porque ele fez jor-na-lis-mo. Rizek tem um time, certamente. Mas não ficou bradando por “roubo”; recebeu uma denúncia, entrevistou pessoas, buscou elementos, indicou fatos à Polícia Federal e publicou uma enorme história. Já havia sido assim nos anos 80 com a Máfia da Loteria Esportiva e a Placar comandada por Juca Kfouri.

As novas tecnologias transformaram todo mundo em mídia. Simpatia ou sensacionalismo fazem com que muita gente tenha sucesso nas redes. É ótimo por um lado, mas também é preciso dizer que isso não é garantia de informação de qualidade. Ao contrário: vivemos num país em que uma das maiores preocupações é a difusão de mentiras, as famigeradas “fake news” num ano tão decisivo. Você já deve saber, mas jamais houve distribuição de mamadeiras com bico em formato de “piroca” por aí. Há quem tenha acreditado que sim – e vou ficar só nesse exemplo absurdo.

Os influenciadores têm seus méritos e seu jeito de se comunicarem, isso é uma tendência irreversível. Mas é preciso colocar cada coisa em seu lugar: não fazem jornalismo. Fazem entretenimento. Eu mesmo já denunciei, com provas, que o próprio Athletico pagava um blogueiro que atacava desafetos do presidente do clube. Não tenho comprovação de coisas assim em outros lugares. Mas também podemos notar tendências similares nas redes sociais: experimente questionar algo sobre o Flamengo no Twitter e note o fenômeno apelidado de “Flamilicia” pelo Flavio Gomes: uma horda de perfis anônimos te atacando indiscriminadamente.

A velocidade com que se buscou uma punição de quatro meses de suspensão pela péssima atitude do repórter que intimidou o influenciador no episódio em questão também deveria motivar outras discussões. Quantas verdades estamos comprando por conta de 1 minuto de qualquer vídeo divulgado? Atleticanos realmente hostilizaram uma família de flamenguistas num restaurante ou foi uma infeliz discussão entre torcedores, motivada por provocações de ambos? Estávamos lá ou tomamos tudo por um trecho de vídeo? Já ocorreu antes: o torcedor do São Paulo imitou macaco ou fez um gesto para dizer que o do Fluminense era gordo? Tudo reprovável, sem exceção, mas racismo é crime, ser babaca é apenas odioso.

Julgamos tudo rápido. Dia desses, revestido com colete de imprensa no Maracanã, um suposto jornalista – um influenciador credenciado, agora sabemos – saiu comemorando com os jogadores quando o Fla eliminou o

Corinthians

. Sou jornalista, tenho meu time, mas deixo pra comemorar as vitórias ou chorar derrotas fora do microfone; se quero torcer, vou de arquibancada. Para mim é péssimo ver a imagem da classe associada a isso: gente que está ocupando espaços de trabalho para torcer, distorcer, intimidar e fazer sensacionalismo.

Alguns lembrarão de que há quem faça o mesmo nas grandes emissoras, torcendo e provocando. Que os narradores, entre os quais eu mesmo – tratam de vibrar nas narrações dos gols diminuindo os rivais. “Rasga a camisa do campeão do mundo” é um dos clássicos nessa área. Bem, é uma verdade. E não precisamos concordar com essas atitudes tampouco sermos corporativistas. Tudo gira em torno do respeito e do decoro.

E também do que queremos para o jornalismo. Queremos reflexões sobre os acontecimentos ou gritaria histérica? Queremos olhar para os fatos ou apenas reforçar nossas próprias convicções com suporte de alguém que se tornou famoso? Pra onde essas escolhas vão nos levar?

Nessas horas eu fico com uma frase comum nos corredores dos estádios gauchos: “Comentarista comenta, torcedor torce. Cada um na sua área”.

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