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40 anos do Mundial do Flamengo: ‘Marcar em final, duas vezes, deveria contar mais’, diz Nunes


Faz 40 anos, mas para mim aconteceu ontem. Tenho 67 anos e uma ótima memória. Antes de entrar no Estádio Nacional, em Tóquio, com a camisa 9 do Flamengo e para enfrentar os ingleses do Liverpool, eu disse a mim mesmo: “Eu vou decidir este jogo, eu sou o artilheiro das grandes decisões”. E isso não era estar acima de ninguém, querer aparecer. É saber que está preparado para uma partida deste porte. Eu estava. Eu treinava para isso. Eu lia o jogo. Eu ia para cima mesmo. É questão de personalidade, alta confiança. Sempre tive personalidade. Até hoje, mesmo no meio dos barrigudos do time do masters.

E centroavante tem de ser assim. Marrento, sangue frio, sem medo de errar. Não dá para levar essa dúvida contigo: “Será que eu consigo?”. Isso não existe. Porque quando as oportunidades pintam, tem de aproveitá-las. Se for para errar, que seja em treino.

Eu fecho os olhos e vejo a rede dos ingleses balançando. Que sensação boa… de dever cumprido, de ter sido eficiente, decisivo. Primeiro aos 13 minutos. Depois, aos 41. Naquele dia, 13 de dezembro de 1981, lembrei da minha mãe Maria Hozana, e do dia que cheguei na Gávea, após viagem de Feira de Santana, onde nasci, ao Rio de Janeiro.

Eu ajudava a minha mãe a descascar laranja e vender bolo de aipim, na frente do Joia da Princesa. Jogava no campinho ao lado. E quando dava o intervalo dos jogos oficiais, o porteiro me chamava para entrar no estádio.

O dia que conheci Garrincha foi “o dia”. Imagine… eu ia ao cinema para rir do que ele fazia com os marcadores. E quando o abracei, me emocionei. Tirei foto e tudo. Com sua bênção, consegui vaga na base do Flamengo.

É que neste mesmo dia, eu tinha entrado no campo, no intervalo de um jogo entre Flamengo e Fluminense de Feira de Santana, para a brincadeira da molecada. Pronto. Diretores do Flamengo cresceram os olhos em mim. Eu tinha uns 11 anos, era o Joãozinho e ponta direita. Tudo o que queria para a minha vida era vestir o manto e jogar no Maracanã. Merrinho, o Roberto Basílio, que tinha sido da base do Flamengo e jogava no Flu de Feira, me deu carona da Bahia ao Rio, de fusca.

Em finais como aquela do Mundial de 1981, o que a gente leva ao campo é isso. Lembranças de como tudo começou, o que passamos para chegar até aquele momento. Passa um filme na cabeça, sim! É verdade. Eu recordei tudo nas duas vezes que marquei.

Hoje, quando me perguntam o que faltou para o Flamengo ganhar o Mundial de novo, em 2019, ou a Libertadores de 2021, eu respondo: “Faltou Nunes e Zico”.

Deixa eu falar uma coisa. Está para nascer quem fará o mesmo. Quero ver marcar dois gols numa decisão de Mundial. Quero ver fazer o que fiz. E explico: não torço contra. Torço a favor. Porque um novo Mundial não apagará o que aquele timaço fez. Jamais. A gente fez história. E não foi pouca coisa, não.

Os 3 a 0 contra o Liverpool começa no Brasileiro de 1980. Considero o gol da decisão, que marquei contra o Atlético-MG, na virada do 3 a 2, o mais importante da carreira. Pois desta conquista vieram outras, em cascata. Foi o primeiro título brasileiro da história do clube. Pensa nisso: o primeiro da história do Flamengo.

Na concentração, quando saíamos para a decisão, o Francisco Horta, ex-presidente do Fluminense, sentou ao meu lado e disse: “Sonhei que você vai fazer dois gols e o Zico, um”. Ele acertou.

Eu tinha sido contratado pelo clube naquele ano, após passagem pelo Monterrey, do México. No primeiro jogo da decisão, perdemos por 1 a 0. E na finalíssima, eu selei a vitória com uma obra de arte.

O Andrade fez um lançamento de longa distância pela esquerda. Ele sabia que eu ia chegar, sabia da minha arrancada. Minha intenção era cruzar para o Zico ou Tita que entravam pelo meio. Cruzei e a bola bateu no zagueiro e voltou para mim. Quando tentava cruzar, Silvestre levantava a perna esquerda. Na segunda vez que tentei o lance, dei um drible na perna de apoio dele. Ali eu vi que teria de assumir a responsabilidade. Não dava mais para tentar o passe. Coloquei a bola na frente e levei meu corpo também. Se ele tentasse me derrubar, era pênalti. Cheguei no goleiro João Leite e ele achou que eu ainda cruzaria para o Zico. E dava. Ele colocou o corpo para dentro do campo para impedir o passe e abriu espaço pra mim. Quando percebeu que eu ia chutar, voltou, deu um vôo, e eu toquei por cima, de chapa.

Para valorizar a história, conto que falei ao zagueiro: “Silvestre, olha o Cristo!”. Isso pegou. Ele não teve culpa no gol, foi uma jogada minha, de momento. Não é para qualquer um. E por isso imitarei o Romário: “Deus apontou para mim, era o cara que decidiria naquele dia”.

Antes de chegar no Japão, a gente parou em Los Angeles. E fomos liberados para conhecer a Disney. Parecia que a gente tinha cinco anos, tudo criança. Um fazia pegadinha com o outro. Voltamos à infância com aqueles personagens de desenho animado. Eu gostava do Zé Grandão e do Pato Donald. Também fomos na calçada da fama e me achava astro de Hollywood.

No avião a caminho de Tóquio, Zico e Junior disseram ao Peu que ele teria problemas para entrar no país. Estava diferente da foto do passaporte. Com bigode. Todos fingiram que estavam dormindo e ele pegou um barbeador e arrancou tudo. O Peu é maravilhoso e é dele a frase mais engraçada da viagem. Disse que as carpas do espelho d’água no hotel, eram muito rápidas, movidas à pilha.

Pouco tempo antes, o grupo ficou abalado. Claudio Coutinho, o grande responsável pela montagem do time rubro-negro e que tinha deixado o clube no início do ano, morreu em mergulho na Ilhas Cagarras. Nós choramos na concentração. Ele havia nos encontrado no aeroporto, na volta da Libertadores, e disse que seríamos campeões do mundo. Ele chegou a ver a conquista continental mas não a do mundo.

Esse grupo era muito unido. E eu e o Zico sempre nos demos muito bem. Ele odiava perder, assim como eu. A gente tinha sintonia,

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. Ele colocava a bola na cara do gol e eu não perdia. Em entrevista à época do segundo título brasileiro, contra o Grêmio, Zico apostou 1 a 0, e gol de Nunes. Dizia que “só dava passe para quem o consagrava”. Chamo o Zico de “profeta”. Porque foi o que aconteceu. E isso não tem segredo, sabe? É treino, leitura tática. A gente treinava muito fundamento e jogadas ensaiadas. Éramos focados.

Eu fiz toda a base no Flamengo e quando cheguei ao adulto, o clube me mandou embora. E eu falei: “Vocês ainda vão me comprar bem caro”. Aquilo ficou gravado na minha mente. Quando estourei no Nordeste, passei a ser o Nunes, porque servi ao Exército e era o nome de guerra. Aí começou… No alto falante do Maracanã, quando tinha gol, eles falavam. “Gol no Arrudão, gol de Nunes”. A torcida não sabia quem era… Voltei ao clube como Nunes e me tornei o Artilheiro das Decisões. Esta é a minha marca.

Nem considero a conta oficial de 99 gols em 214 jogos. Porque marcar em final de Mundial, duas vezes, deveria contar mais. E vou além: o Flamengo voltará a ser campeão do mundo em breve. Na minha gestão como presidente. Eu sonho em comandar este clube e quero ser candidato.

Não tenho como encerrar este depoimento sem tocar em um ponto de mágoa, de tristeza. É verdade que apesar de tudo o que fiz, não disputei uma Copa do Mundo com a seleção brasileira. Mas fui convocado duas vezes por merecimento. Em ambas, 1978 e 1982, me machuquei e fui cortado. Acho que me recuperaria a tempo na Copa na Argentina, quando torci o tornozelo direito. Mas não me deram voto de confiança. Então digo: não fui campeão do mundo com o Brasil, mas fui com o Flamengo. O maior clube deste país.

*Em depoimento a Carol Knoploch

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